A industrialização do xisto no Brasil é um capítulo pouco conhecido na longa busca pelo aumento da oferta de energia doméstica. O termo xisto (derivado da palavra grega schistos, que significa dividido) é geralmente utilizado para se referir a determinadas rochas sedimentares que, sob ação do calor, geram gás e óleo, ambos “ricos em hidrocarbonetos encontrados no petróleo natural, permanecendo na rocha um resíduo carbonoso” (Mesquita Reference Mesquita1978, 97).Footnote 1 A partir do gás de xisto podem ser obtidos gás combustível, gás liquefeito (GLP), gás de cidade (precursor do gás de cozinha), gás de cozinha e diversas matérias-primas para a indústria petroquímica. Já a partir do óleo de xisto, após processo de refino, podem ser obtidos nafta, óleos combustíveis, lubrificantes, solventes, gasolinas, querosene, óleo diesel, parafina, asfalto, enxofre puro e fertilizantes (Ribeiro et al. Reference Ribeiro, Righesso, D’Oliveira and Ivo1964, 133). Os resíduos sólidos restantes ainda podem ser utilizados para fabricar materiais de construção e pavimentação.Footnote 2
Em cálculos utilizados por geólogos até meados dos anos 1980, o Brasil possuía a segunda maior reserva de xisto do mundo com cerca de oitocentos bilhões de barris de óleo. Os Estados Unidos eram o primeiro colocado e a URSS a terceira (Petrobras 1982, 17). Footnote 3 Em meados dos anos 1960, entretanto, a produção mundial de óleo de xisto e derivados era ínfima quando comparada a dos combustíveis cuja fonte é o petróleo. Naquela época, porém, calculava-se que a reserva total mundial em óleo de xisto poderia ser quatro vezes superior ao total então conhecido das reservas mundiais de óleo de poço (Ribeiro et al. Reference Ribeiro, Righesso, D’Oliveira and Ivo1964, 6).
As possibilidades do Brasil no campo de exploração do xisto eram promissoras. Com um crescimento econômico médio real maior do que 6 por cento ao ano entre 1946 e 1962, o país viveu um período de forte industrialização e urbanização (Loureiro Reference Loureiro2017b, 30; Acker e Fischer Reference Acker and Fischer2018, 308). Todavia, esses processos ensejaram um aumento das instabilidades sociais e uma deterioração do setor externo da economia (Loureiro Reference Loureiro2017b, 35–37). Desse modo, a necessidade de um forte incremento na oferta de energia a fim de viabilizar a continuidade da expansão do produto interno veio acompanhada de um aumento de inflação, escassez de moeda forte e, em 1963, recessão econômica (Loureiro Reference Loureiro2017b, 313). Em 1964, o consumo de derivados de petróleo no Brasil duplicaria em relação ao montante observado dez anos antes (Marinho Reference Marinho1965, 13 apud Relatório da Petrobras de 1964, 8).
Nesse quadro de aumento do consumo interno e escassez de moeda forte para importação, a necessidade de exploração do enorme potencial energético do xisto seria justificada por argumentos de dois tipos: economia de divisas (diminuição da importação de derivados de petróleo) ou segurança nacional (aumento na previsibilidade no abastecimento de combustíveis no advento de conflitos internacionais e busca, de caráter estratégico, por autossuficiência energética) (Ribeiro et al. Reference Ribeiro, Righesso, D’Oliveira and Ivo1964, 4).
Para o nacional-desenvolvimentismo, o controle estatal sobre os recursos naturais era um ponto sensível na organização econômica do Estado visando a industrialização e soberania.Footnote 4 Uma outra perspectiva, de inspiração liberal, defendia a necessidade de investimentos privados no setor como a única maneira de impulsioná-lo. O objetivo final de ambas, no entanto, era o mesmo: transformar o Brasil numa nação industrializada e moderna (Otoya Reference Otoya2018, 372).
Para a concretização desse potencial, o depósito de xisto com maiores informações detalhadas no Brasil, até meados dos anos 1960, era o do Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo (SP), principalmente na região entre Taubaté, Tremembé e Pindamonhangaba (Ribeiro et al. Reference Ribeiro, Righesso, D’Oliveira and Ivo1964, 31). A Companhia Industrial de Rochas Betuminosas (CIRB), liderada pelo empresário Arquimedes Pucci, era uma das empresas que buscavam industrializar o xisto na região de Pindamonhangaba (Petrobras 1982, 32).Footnote 5 Com esse objetivo, por motivos que analisaremos no artigo, Pucci buscaria cooperação econômica e técnica com a URSS, tendo, nos anos subsequentes, indicações favoráveis à empreitada. Assim, coloca-se a seguinte pergunta: por que a cooperação econômica e técnica entre a CIRB e a União Soviética não floresceu?
Moniz Bandeira (Reference Bandeira1975) argumenta que o projeto conjunto teria sido obstruído pela empresa norte-americana Philips Petroleum associada ao grupo brasileiro Ultra, em um cartel, especialmente para produção de gás liquefeito (Bandeira Reference Bandeira1975, 171). Segundo Bandeira (Reference Bandeira1975), a objeção teria sido articulada por Hélio Beltrão, que após sua passagem como ministro do Planejamento no governo Costa e Silva (1967–1969) passaria a ocupar a presidência da holding do grupo Ultra. Beltrão teria agido em conjunto com o ministro da Fazenda, Delfim Netto, contra uma política setorial defendida pelo ministro do Interior, Albuquerque Lima (Bandeira Reference Bandeira1975, 173–175).Footnote 6
Além de Bandeira (Reference Bandeira1975), de forma mais ampla, há três grupos de publicações que podem nos auxiliar a responder essa pergunta. A literatura que lida com as relações Brasil/URSS, publicações elaboradas pela Petrobras a respeito da exploração de xisto no país e obras sobre a história do petróleo no Brasil. Integram o primeiro grupo, as publicações sobre as relações entre América Latina e União Soviética que, de forma surpreendente, não mencionam o xisto como um campo potencial para cooperação econômica e técnica entre Brasil e URSS.Footnote 7
No segundo grupo, com ênfase nas atividades da Petrobras na exploração do xisto no Brasil, Ribeiro et al. (Reference Ribeiro, Righesso, D’Oliveira and Ivo1964), Mesquita (Reference Mesquita1978) e Petrobras (1982) ilustram as possibilidades de industrialização do xisto e suas especificidades técnicas. Centrada quase que exclusivamente nas ações da estatal, no entanto, essa literatura não pondera sobre o complexo arcabouço legal do setor, suas dificuldades burocráticas e políticas.
Por último, no campo que lida especificamente com a história do petróleo no Brasil estão os trabalhos de Philip (Reference Philip1982), Dias e Quaglino (Reference Dias and Quaglino1993), Rocha (Reference Rocha2016), Biasetto (Reference Biasetto2016), Peyerl (Reference Peyerl2017) e Otoya (Reference Otoya2018).Footnote 8 Apesar de a exploração do xisto não ser discutida por esses autores, eles analisam a controvérsia do petróleo no Brasil em perspectiva históricaFootnote 9 . Em Dias e Quaglino (Reference Dias and Quaglino1993), especificamente, há informações importantes sobre a trajetória do general Milton de Lima Araújo, ex-chefe da Divisão Econômica do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), “homem de confiança” do presidente desse órgão, e vice-presidente da CIRB a partir de 1967 (Dias e Quaglino Reference Dias and Quaglino1993, 66).
Em depoimento realizado em 1989, ao ser indagado sobre seu trabalho na CIRB, o general afirma que “o Conselho Nacional do Petróleo —não sei se foi o Conselho ou se foi a Petrobras, foi alguém— aconselhou o governo a parar [o empreendimento conjunto da CIRB com a URSS]”.Footnote 10 Notando que essa mudança na atitude do governo ocorreu durante a gestão Médici (1969–1974), Araújo ainda lembraria que havia sido colega de turma do presidente da República na Escola Militar e que Médici “no começo […] apoiou muito, mas de repente virou”.Footnote 11
Este artigo argumenta que a Petrobras manteve uma posição de defesa intransigente e reiterada da inclusão do xisto no monopólio estatal que influenciou o governo Médici a adiar, indefinidamente, sua palavra final sobre o projeto, não concedendo seu aval à CIRB para obter financiamento soviético (via bancos públicos).
Digno de nota, ao longo desse processo, é constatar o poder de pressão da Petrobras, superando divisões ideológicas (antes e depois de 1964), de modo a demarcar o alcance de suas atribuições nas duas primeiras décadas de sua existência. Além disso, este artigo, ao analisar um tópico desconsiderado na história da energia no Brasil, busca contribuir para as discussões sobre os efeitos de longo prazo do monopólio estatal do petróleo, a controvérsia sobre como defini-lo e seu elo com o interesse nacional.
Para dar sustentação ao argumento, a documentação utilizada, em sua maior parte, é brasileira. Ela é complementada por alguns documentos norte-americanos e russos. Os contatos iniciais da CIRB com a URSS são analisados no primeiro item. A seguir, apresenta-se a controvérsia do petróleo no Brasil, um panorama da exploração do xisto e dos interesses da Petrobras. No terceiro, são analisadas as primeiras tentativas de cooperação da CIRB com a URSS entre 1961 e 1964. Em seguida, tratamos da retomada de conversações da empresa paulista com os soviéticos e da sua longa busca infrutífera por um aval governamental. Por último, apresentamos a conclusão.
A CIRB e os primeiros contatos com a URSS (1958–1960)
A CIRB havia obtido sua autorização para funcionar em 1945. Três anos depois, ela teria permissão para lavrar uma jazida de xisto com o objetivo de produzir gasolina e óleos combustíveis.Footnote 12 Contudo, com a criação da Petrobras em 1953, pela Lei 2.004, e o estabelecimento do monopólio estatal do petróleo e seus derivados, a CIRB reformularia seus objetivos, visando produzir gás doméstico e industrial, além de fertilizantes e materiais para construção e pavimentação.Footnote 13 Esses produtos, segundo rememorava carta do presidente da CIRB na década seguinte, teriam tido sua produção autorizada pelo CNP, já que não colidiam com o monopólio da Petrobras.Footnote 14
Em 1958, entretanto, o presidente Kubitschek ratificaria um parecer do Consultor Geral da República, Antônio Gonçalves de Oliveira, que garantia a manutenção das concessões já outorgadas, mas, ao mesmo tempo, de forma dúbia, com o entendimento de que as jazidas de xisto deveriam ser “consideradas como integrantes do monopólio da União”.Footnote 15 No parecer, Oliveira afirmava que a Petrobras defendia o monopólio, do ponto de vista econômico, já que era “crescente o interesse que tal matéria-prima [xisto]” vinha “despertando em todo o mundo, inclusive nos países ricos”.Footnote 16
No ano seguinte, Kubitschek despacharia uma delegação liderada pelo diplomata Edmundo Barbosa da Silva para a URSS para assinar o primeiro acordo comercial entre os dois países desde o rompimento de relações em 1947.Footnote 17 O conhecimento acumulado pelos soviéticos em Kohtla-Järve, na Estônia, onde estava estabelecida a mais importante usina de processamento de xisto do mundo colocava-os como referência mundial no assunto (Mesquita Reference Mesquita1978, 98). No encontro com Barbosa da Silva, o presidente do Comitê Estatal de Relações Econômicas com o Exterior (GKES), S. A. Skachkov, afirmaria que havia recebido uma solicitação da CIRB para estudo e projeto de uma planta de xisto.Footnote 18 Segundo ele, já havia um contrato assinado com a empresa brasileira, e os técnicos soviéticos aguardavam apenas a liberação dos vistos para viajarem ao Brasil. Footnote 19 Em resposta, Barbosa da Silva sugeriu que o GKES poderia “solicitar esclarecimentos às autoridades brasileiras competentes”, antes de “avançar” no exame de pedidos como o da CIRB. Footnote 20 Adicionava que com um entendimento comercial entre os dois países efetivado, a criação de Comissões Executivas em cada país deveria ser considerada.Footnote 21
Os três técnicos mencionados por Skachkov viriam ao Brasil para uma primeira inspeção no Vale do Paraíba em 1960.Footnote 22 De acordo com um dos diplomatas brasileiros envolvidos no processo de reaproximação com a URSS, Luiz Vilarinho Pedroso, Pucci valeu-se dos “ofícios” do arcebispo de São Paulo, D. Carmelo Motta, junto ao então ministro das Relações Exteriores, Horácio Lafer, para concretizar a vinda dos especialistas soviéticos ao Brasil, já que os dois países não mantinham relações diplomáticas.Footnote 23 O objetivo da CIRB era fornecer gás a Pindamonhangaba e Taubaté ainda em 1960.Footnote 24 Em abril do mesmo ano, um relatório elaborado pelos técnicos soviéticos seria entregue às autoridades locais sublinhando excelentes possibilidades de exploração de xisto na região.Footnote 25
As Comissões Executivas Brasil-União Soviética (CEBRUS) seriam criadas e se reuniriam pela primeira vez entre abril e maio de 1960 no Rio de Janeiro (Caterina Reference Caterina2019, 189–190). Durante esse período, Vilarinho manteve “maiores contatos” com Pucci e, alguns meses depois, visitou as instalações da CIRB. Footnote 26 Nessa oportunidade, de acordo com Vilarinho, Pucci afirmou que era um “democrata convicto” e que buscava auxílio soviético pois tratava-se do único país do mundo que industrializava o xisto. Footnote 27 Além disso, dizia que era um empreendedor oriundo do setor imobiliário de São Paulo —sem laços com grupos nacionais ou estrangeiros— e considerava um “excelente negócio” o xisto no Vale do Paraíba, já que poderia vender o gás a preço muitíssimo inferior ao gás do carvão. Footnote 28 Ainda segundo o relato de Vilarinho, Pucci temia a pressão vinda da Light & Power, pois ela poderia mobilizar contra ele a própria Petrobras, alegando que a CIRB “estaria quebrando o monopólio da empresa estatal na exploração de petróleo e derivados”, algo que Pucci julgava “improcedente”. Footnote 29 Afirmava, por fim, que mantinha suas instalações para “não perder a concessão de exploração” que detinha. Footnote 30
O contrato preliminar de 1959 tomaria uma feição mais promissora no ano seguinte. Em setembro de 1960, a organização soviética de comércio exterior Tyajpromexport assinaria um contrato com a CIRB para a construção de uma usina para lavrar e industrializar o xisto prevendo uma produção diária de um milhão de metros cúbicos de gás doméstico. Footnote 31 O compromisso previa fornecimento de material, montagem da planta e treinamento de técnicos nacionais. Footnote 32 No mês seguinte, a CEBRUS se pronunciaria à CIRB afirmando que não havia impedimento à remessa de duzentas toneladas de xisto para a URSS para verificar seu potencial para produção de gás. Footnote 33 Até outubro de 1960, portanto, a parceria tinha indicações promissoras.
A exploração do xisto no Brasil e a Petrobras
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, houve crescente interesse pela exploração do xisto no Vale do Paraíba, conforme vimos, por empresas privadas, incluindo a CIRB. Isso levaria a que o governo federal, a partir de estudos realizados no âmbito do Conselho de Segurança Nacional (CSN), criasse a Comissão de Industrialização do Xisto Betuminoso (CIXB) em 1950 (Ribeiro et al. Reference Ribeiro, Righesso, D’Oliveira and Ivo1964, 38–39). Seu objetivo principal era estudar e explorar os depósitos de xisto no país. No ano seguinte, a CIXB seria incorporada ao CNP (Ribeiro et al. Reference Ribeiro, Righesso, D’Oliveira and Ivo1964, 37).
Deve-se lembrar que no CNP estavam representados os ministérios militares, o Estado-Maior das Forças Armadas e o Ministério das Minas e Energia. Assim, sua aprovação envolvia, implicitamente, nas oportunas palavras de um diplomata, “certo grau de aprovação política”. Footnote 34 Criado em 1938, a primeira atribuição do órgão era autorizar, regular e controlar a importação de petróleo bruto, gasolinas, querosene, óleos combustíveis e lubrificantes, bem como supervisionar a distribuição e abastecimento desses produtos em todo o país.Footnote 35 O presidente Vargas nomearia o general Horta Barbosa como o primeiro presidente do órgão (Dias e Quaglino Reference Dias and Quaglino1993, 54–55).
Com o fim da ditadura do Estado Novo (1937–45), um intenso debate ganhava corpo na sociedade brasileira a respeito de como o petróleo deveria ser explorado. Envolvendo estudantes, militares, intelectuais e políticos, a campanha O Petróleo é Nosso sacudiu o país no final dos anos 1940 (Philip Reference Philip1982, 235–236). Conferências no Clube Militar evidenciavam uma divisão do Exército em duas correntes: uma liderada pelo general Juarez Távora e outra pelo general Horta Barbosa. O primeiro defendia uma aliança com os EUA numa associação que incluía capitais norte-americanos e brasileiros no setor, de forma a desenvolver as potencialidades energéticas para que o país contribuísse efetivamente do lado ocidental da Guerra Fria. Temia que uma nacionalização completa do setor pudesse colocar em dúvida o lado do Brasil no conflito bipolar (Dias e Quaglino Reference Dias and Quaglino1993, 93–94). O segundo argumentava que o setor do petróleo era tão importante para o desenvolvimento econômico que deveria estar sob monopólio estatal. A intervenção direta do Estado no caso do petróleo (e setor energético em geral) seria a única alternativa —não admitindo sequer o advento de sociedades de economia mista— dado o caráter agressivo e oligopolista das empresas estrangeiras (Dias e Quaglino Reference Dias and Quaglino1993, 93). Uma terceira perspectiva defendia uma associação entre o Estado e o capital privado doméstico, vetando a participação do capital estrangeiro (Rocha Reference Rocha2016, 29).
Rocha (Reference Rocha2016) destaca que entre o final da década de 1940 e início dos anos 1950 desenharam-se as principais questões que guiariam a trajetória da indústria do petróleo no Brasil até a atualidade: “origem do financiamento, limites da capacidade nacional de exploração e produção, necessidade de importação de derivados e de refino e autossuficiência energética” (Rocha Reference Rocha2016, 37).
A exploração do xisto estava ligada a todas essas questões. Após trabalho de sondagens, coleta e análise de amostras com assessoria norte-americana, a CIXB construiria uma Estação de Dados Básicos em Tremembé (SP), que iria se transformar numa usina piloto em 1955. Footnote 36 (Mesquita Reference Mesquita1978, 109). Os pesquisadores da CIXB seriam incorporados à Petrobras como Superintendência da Industrialização do Xisto (SIX) em 1954 (Ribeiro et al. Reference Ribeiro, Righesso, D’Oliveira and Ivo1964, 37).Footnote 37 Entre 1955 e 1957, contando com a assistência da norte-americana Cameron and Jones, a SIX realizou diversos estudos, levantamentos topográficos e perfurações na região (Mesquita Reference Mesquita1978, 109). No final de 1957, ao mesmo tempo que estudava o xisto do Vale do Paraíba, a SIX iniciava os primeiros testes com o xisto da Formação Irati, que se estende do interior do Estado de São Paulo até o Uruguai, na Usina Piloto de Tremembé (Petrobras 1982, 38–39).
Em junho de 1959, um estudo teórico mostrou, pela primeira vez, uma estimativa na qual o custo de produção do óleo de xisto era inferior ao preço do petróleo importado, levando a SIX a dar prioridade absoluta aos trabalhos com o xisto do Irati, em detrimento do folhelho do Vale do Paraíba (Ribeiro et al. Reference Ribeiro, Righesso, D’Oliveira and Ivo1964, 42–43).Footnote 38 Dessa forma, a Petrobras começaria a construção de uma usina-protótipo em São Mateus do Sul, Estado do Paraná (PR), ainda em 1959 (Petrobras 1982, 45). Uma estimativa apontava que, num intervalo de vinte e cinco anos, ela seria capaz de produzir cerca de cem mil barris por dia, algo que, se concretizado, alçaria a produção de xisto a uma fatia muito relevante na produção total nacional, levando-se em conta que a produção nacional de óleo estava na faixa dos oitenta mil barris diários em 1960. Footnote 39
Para algo dessa escala, no entanto, o superintendente da SIX, Hilnor Mesquita, esclarecia que diversas questões deveriam ser encaminhadas e que a industrialização do xisto demandava “soluções para problemas específicos, sem similares em outros equipamentos”. Footnote 40 A Cameron and Jones, por exemplo, ofereceria um empréstimo de US$7 milhões à Petrobras para a construção da usina protótipo no início de 1962, mas vinculava essa operação à supervisão dos trabalhos pelo seu próprio vice-presidente.Footnote 41 A proposta seria recusada pelo presidente da Petrobras que não admitia que a direção dos trabalhos não ficasse nas mãos de funcionários da estatal, demonstrando que a questão da autonomia decisória e tecnológica era sensível para a empresa brasileira.Footnote 42
A CIRB e a primeira tentativa de cooperação com a URSS (1961–1964)
Com a posse de Jânio Quadros, em janeiro de 1961, a busca pelo reestabelecimento de relações diplomáticas com a URSS ganharia impulso renovado. Ao longo do primeiro semestre de 1961 seriam acertados um aumento nos créditos soviéticos ao Brasil, o estabelecimento de representações comerciais nos dois países e a realização de uma Exposição Industrial da URSS no Rio de Janeiro em 1962 (Caterina Reference Caterina2019, 205–223).
A CIRB prosseguia seus movimentos em busca da concretização da cooperação com a URSS. Em agosto de 1961, a CEBRUS informava à CIRB que não via “qualquer empecilho” para a importação de US$380 mil em equipamentos soviéticos para a instalação experimental de xisto, com produção diária de quinze mil metros cúbicos de gás. Footnote 43
A tentativa de dar um passo decisivo para a montagem da usina piloto ocorreria em 1962, após o reatamento das relações diplomáticas entre Brasil e URSS ocorrido no final do ano anterior. Em fevereiro, o jornal O Globo publicava que máquinas soviéticas chegariam em breve a Pindamonhangaba. Footnote 44 Os equipamentos, no entanto, nunca alcançariam seu destino. O presidente da CIRB, ao rememorar o episódio posteriormente, afirma que quando os equipamentos estavam sendo embarcados na URSS, o CNP “resolveu suspender a autorização concedida à CIRB desde 1954”, com a justificativa de que a atividade da empresa “infringia frontalmente” o monopólio estatal.Footnote 45 Também relembrando o episódio alguns anos depois, o embaixador da URSS no Brasil afirma que a chegada dos equipamentos soviéticos estava prevista para o final de 1962, mas que a CIRB não havia obtido as licenças de importação necessárias, devido ao reconhecimento, pelo governo brasileiro, do monopólio estatal atribuído à Petrobras.Footnote 46 Dessa forma, as negociações com o governo soviético seriam suspensas.Footnote 47
Ao mesmo tempo, ao longo de 1962, ocorria uma deterioração dos laços entre os governos do Brasil e dos EUA.Footnote 48 De acordo com Loureiro (Reference Loureiro2017b), o momento fulcral desse processo aconteceria em março de 1963 com a visita do Ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, a Washington para tentar renegociar compromissos financeiros obtendo resultados muito aquém do esperado para o lado brasileiro (Loureiro Reference Loureiro2017b, 416–417). Poucos dias depois desse resultado frustrante para o governo Goulart (1961–1964), o jornal Última Hora publicaria uma entrevista com o premiê Khrushchev, na qual o soviético afirmava que a URSS estava pronta para colaborar com o “desenvolvimento industrial do Brasil” por meio do envio de máquinas, equipamentos e “técnicos soviéticos”.Footnote 49
Enquanto isso, após a CIRB solicitar novo reexame ao CNP, Pucci, com o apoio de técnicos de sua confiança, visitaria Moscou em julho de 1963 buscando retomar as conversações. A Secretaria de Estado do Ministério das Relações Exteriores, porém, orientava o embaixador do Brasil em Moscou que o aval para a CIRB deveria esperar pelo parecer das autoridades brasileiras e do presidente Goulart. Footnote 50
Essa aprovação, entretanto, não se materializaria. A Consultoria Jurídica da Petrobras se pronunciaria refutando todas as pretensões da CIRB utilizando uma argumentação semelhante ao parecer de 1958.Footnote 51 Após novo recurso encaminhado pela CIRB ao CNP, a Petrobras emitiria um parecer reprisando os pontos fundamentais de sua defesa e asseverando que a estatal estaria apta a executar “todos os empreendimentos exigidos pelo interesse nacional, no setor do xisto”, e que esse mesmo “interesse nacional” não reivindicava que se desse “aproveitamento imediato às jazidas de xisto do Vale do Paraíba”. Footnote 52
A Embaixada do Brasil em Moscou seria avisada em julho, pela Secretaria de Estado, que a CIRB havia tido seu pedido de autorização indeferido pelo CNP, em sessão no dia 30 de abril de 1963, pois a empreitada infringiria o monopólio estatal. Footnote 53 No final de agosto, após deliberação ocorrida numa reunião entre o presidente da estatal e o presidente do CNP, a Secretaria de Estado enviou um telegrama à representação brasileira em Moscou afirmando que o governo Goulart não poderia “dar apoio, de qualquer natureza, àquela iniciativa”. Footnote 54 As autoridades brasileiras previam que a CIRB recorresse à “via administrativa e mesmo judicial”, buscando uma reconsideração da decisão anterior do CNP, mas não acreditavam em “qualquer possibilidade de êxito dessa tentativa”. Footnote 55 Além disso, a mensagem informava que a Petrobras já possuía estudos e projetos para o aproveitamento industrial do xisto, e que cogitava a “possibilidade de obter a colaboração soviética nesse campo”. Footnote 56
Assim, diante dessas perspectivas positivas, a direção da Petrobras via com preocupação o precedente de quebra do monopólio estatal do xisto. A empresa paulista teria de aguardar por uma mudança drástica no panorama político do país para retomar sua busca pelo aval governamental.
Retomada nas conversações e a busca pelo aval (1964–1973)
Após a tomada de poder pelos militares em 1964, a CIRB teria a possibilidade de uma reviravolta em seus negócios. Uma resolução do CNP ocorrida em fevereiro de 1965 confirmava a validade da concessão outorgada à CIRB e reconhecia as concessões da empresa para produzir gás doméstico, produtos para a indústria petroquímica, fertilizantes, materiais para construção e pavimentação. Footnote 57 A empresa paulista, no entanto, não poderia refinar óleo de xisto para produzir combustíveis derivados de óleo, lubrificantes ou solventes. Footnote 58
A partir dessa mudança, a questão do xisto entraria na pauta do governo Castello Branco com força. Uma Comissão Interministerial faria uma avaliação da política energética e produziria uma minuta de decreto sobre projeto de lavra e industrialização do xisto alinhada com a recente deliberação do CNP.Footnote 59 O presidente da Petrobras, Ademar de Queiros, em carta ao presidente do CNP, Emílio Maurell Filho, dizia que se a minuta de decreto, como havia sido apresentada, fosse aprovada, a Petrobras ficaria “muito enfraquecida em seus atributos e responsabilidades” no setor do xisto. Footnote 60 Para ele, pesquisa, lavra e industrialização do xisto deveriam ser, “irrefutavelmente”, parte do “sistema do monopólio estatal do petróleo”. Footnote 61
Maurell Filho, no entanto, em carta ao ministro das Minas e Energia, Mauro Thibau, caracterizava, de forma dúbia, a intepretação da Lei 2.004 como algo que garantiria “o monopólio do óleo de xisto, mas não o de sua produção”. Footnote 62 Considerava uma “atitude de coerência” a posição da Petrobras no assunto ao longo dos anos, mas colocava em dúvida se a posição da empresa coincidia com o “interesse nacional”, já que haviam transcorrido dezesseis anos que o governo federal “assumira a liderança da exploração e industrialização do xisto, sem que até agora [1965] um só barril tenha sido produzido comercialmente”. Footnote 63
Um novo parecer seria elaborado pelo Consultor Geral da República, após solicitação do ministro Thibau ao presidente Castello Branco. O cerne da argumentação era de que o xisto não era fluído nem hidrocarboneto, logo ele não deveria compor o monopólio enunciado no Artigo 1º da Lei 2.004. Footnote 64 O ministro da Viação e Obras Públicas, marechal Juarez Távora, e o Ministério do Planejamento endossariam o decreto nos termos postos por Thibau, em reunião do CSN para tratar da exploração do xisto em setembro de 1965.Footnote 65
A divergência entre Távora, entretanto, e outros generais ficaria clara na mesma reunião. Entusiasta das potencialidades do xisto, com experiência administrativa na refinaria de Cubatão e ex-representante do ministério da Guerra no CNP, o ministro-chefe do Gabinete Militar, general Ernesto Geisel, classificava como “insuficiente” a área em torno de São Mateus do Sul (PR) que seria considerada “reserva nacional”. Footnote 66 Recomendava, assim, que se reservasse em “todas as áreas de xisto que o Brasil” possuía, uma “proporção de metade ou 2/3, como reserva nacional”. Footnote 67 A estatal, concluía Geisel, precisava de uma “reserva nacional de fato”, sobre a qual o CNP não pudesse “fazer concessões”. Footnote 68
Em 1967, porém, uma Resolução aprovada pelo CNP (em conjunto com dois decretos baixados em 1965) regulamentaria a marcação de áreas de forma a garantir a “coexistência da iniciativa privada com o monopólio estatal” na exploração do xisto. Footnote 69 Além disso, em julho de 1967, uma assembleia da empresa paulista elegeria os generais Juscelino de Almeida (presidente), Milton de Lima Araújo (vice-presidente) e Alberto Cunha (diretor industrial). Pucci passaria a diretor vice-presidente da companhia. Footnote 70 Os três generais tinham experiência no ramo do petróleo. Almeida era engenheiro metalúrgico, além de fundador e membro do Conselho Consultivo da Refinaria União. Footnote 71 Já Araújo era engenheiro industrial com longa experiência no CNP, tendo sido chefe do Gabinete da Presidência desse órgão. Footnote 72 Cunha, por sua vez, havia trabalhado como assessor do superintendente na refinaria da Petrobras, em Cubatão (SP). Footnote 73 O próximo passo para a CIRB seria buscar melhorar sua situação financeira. Buscando aumentar seu capital social e complementar seu capital de giro para a cooperação econômica com a URSS, a empresa lançaria uma subscrição pública de suas ações registradas nas bolsas de valores de São Paulo e do Estado da Guanabara em novembro de 1967. Footnote 74
Em 1969, após buscar o aval com o Banco Nacional de Habitação (BNH) – o qual, apesar de dois pareceres favoráveis, encaminharia um pedido de contragarantia à Caixa Econômica Federal –, a CIRB, ainda aguardando um posicionamento, contaria com uma intervenção favorável do Ministério da Fazenda no ano seguinte.Footnote 75 Seria o ministro Delfim Netto que, em carta ao presidente Médici, em dezembro de 1970, explicitaria a “modesta margem de risco” da operação e que na “hipótese pior de um insucesso da CIRB, o monopólio estatal teria interesse em absorver o empreendimento”. Footnote 76 Julgava, por fim, conveniente a conclusão da operação, mas indicava que “seria do maior interesse” a opinião do CSN a respeito. Footnote 77
Não há nenhum indício, entretanto, de que Médici tenha convocado uma sessão do CSN para analisar a questão do xisto. A Secretaria Geral do CSN, porém, produziu um estudo sobre o assunto em março de 1971. Footnote 78 Ao revisitar contatos anteriores entre brasileiros e soviéticos, o estudo afirmava que teria sido a Petrobras, baseada “no monopólio estatal a ela conferido”, que havia retardado o “projeto da CIRB”. Footnote 79
Sem avanços concretos nos primeiros meses de 1971, a Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Minas e Energia buscava enviar informações ao SNI em abril do mesmo ano. Footnote 80 Anexado à essa mensagem estava um relatório elaborado em outubro de 1968 por Antônio M. F. Rosa, a pedido da Petrobras, sobre o processo a ser utilizado pela CIRB. Footnote 81 O relatório concluía que seria “aproveitada apenas a quarta parte das reservas potenciais de combustíveis”.Footnote 82 Assim, de acordo com Rosa, o xisto remanescente não seria “aproveitável pelos processos conhecidos, resultando num desperdício da ordem de 600 milhões de dólares em produtos originalmente recuperáveis”.Footnote 83 Aconselhava ser “imprescindível” um reexame de planejamento por parte da CIRB, já que seria “grande a perda para a economia do país” se a empresa pudesse “persistir com seu plano”.Footnote 84
A circulação desse relatório entre ministérios e agências do governo federal seria o primeiro movimento para inviabilizar a parceria da CIRB com a URSS. Em maio de 1971, o SNI buscou dados sobre a “idoneidade financeira” da CIRB em sua ficha cadastral no Banco do Brasil, sendo que nada altamente comprometedor seria obtido sobre seus diretores. Footnote 85 A segunda tentativa consistiria em instrumentalizar o anticomunismo interno como obstáculo à cooperação. Em 14 de junho de 1971, um estudo produzido pela Agência Central do SNI, vinculada à Presidência da República, concluía “ser provável” que o empreendimento da CIRB poderia servir “de cobertura à atuação intensa de agentes soviéticos em proveito da causa comunista”. Footnote 86 Tratava-se de um argumento frágil, pois o contrato que previa o trânsito de especialistas soviéticos para trabalhar na montagem das unidades geradoras para a usina hidrelétrica de Capivara (SP/PR) havia sido assinado em 1970, pelo próprio governo Médici (Caterina Reference Caterina2019, 310–311 e 352).
Sem argumentos sólidos para contestar a correção financeira ou técnica da empresa, o SNI lançaria mão do relatório de 1968, feito a pedido da Petrobras, sobre o plano de exploração da CIRB num informe enviado à Secretaria-Geral do CSN em 17 de junho de 1971. Considerava, em linhas gerais, a “idoneidade financeira” da empresa “obscura”, por ela ter ficado com as atividades paralisadas por alguns anos, e a “idoneidade técnica” de “difícil avaliação, face a inexistência de um Departamento Técnico”. Footnote 87 Em seguida, o SNI listaria os “riscos político-ideológicos” reprisando os mesmos frágeis pontos apresentados no Estudo Parecer de 14 de junho. Footnote 88 Afirmava, ainda, que o êxito do projeto estaria condicionado a três fatores: capacidade administrativa de seus diretores, qualidade da tecnologia utilizada e apoio financeiro necessário. Footnote 89 Desses itens, finalizava o informe, os dois primeiros teriam sofrido “sérias restrições” por parte da Petrobras e do Banco do Brasil, de modo que considerava que o terceiro fator subordinava-se ao “bom desempenho dos primeiros”. Footnote 90
Não havia, no entanto, conforme analisamos, nenhuma restrição significativa por parte do Banco do Brasil ao empreendimento em si ou à capacidade gerencial dos diretores da CIRB. Resta-se, dessa forma, que o único argumento para bloquear a cooperação econômica e técnica seria a reprovação da Petrobras ao método utilizado pela CIRB. Conclui-se, assim, que o principal aval para o funcionamento da empresa deveria vir da Petrobras. A CIRB requereria concordata em abril de 1973 e teria falência decretada em 1976.Footnote 91
Por outro lado, a Usina Protótipo do Irati (UPI) da Petrobras, em São Mateus do Sul, entraria em operação em 1972, em caráter experimental, produzindo gás combustível, nafta e óleo de xisto (Petrobras 1982, 7). Ao priorizar sua internacionalização e investir maciçamente seus esforços na exploração e produção de petróleo em águas profundas nas décadas de 1970 e 1980, porém, a Petrobras deixaria o xisto em segundo plano.Footnote 92 A UPI de São Mateus entraria em pleno funcionamento apenas 20 anos depois, em dezembro de 1991Footnote 93 . Quanto ao xisto do Vale do Paraíba, Hilnor Mesquita, afirmaria, ainda em 1978, que ainda não tinha sido “possível chegar a conclusões firmes sobre a economicidade de qualquer dos esquemas estudados” (Mesquita Reference Mesquita1978, 117).
Conclusão
A história da lavra e industrialização do xisto no Brasil está ligada à busca por diminuir a necessidade de importação de derivados de petróleo e o objetivo máximo da autossuficiência energética. Enquanto as descobertas de óleo de poço não ganhavam tração, as conversações sobre as possibilidades do xisto gerariam enorme expectativa entre os policy makers brasileiros. Contudo, a controvérsia sobre a participação do capital privado no setor energético nacional não seria resolvida com o golpe de 1964. A insegurança jurídica resultante seria um reflexo dessa falta de definição.
A Petrobras agiria, antes e depois de 1964, com uma intransigência constante para defender a inclusão do xisto no monopólio estatal, percebendo as atividades da CIRB como um precedente perigoso para a quebra dessa exclusividade. Argumentava que existiria uma correspondência entre os seus interesses e o interesse nacional. A posição favorável ao monopólio estatal do xisto havia sido ratificada pelos governos Kubitschek e Goulart, mas depois seria reexaminada por um novo parecer em 1965, abrindo uma perspectiva para a CIRB, ao permitir a lavra e industrialização do xisto para produção de matérias-primas para a indústria petroquímica. A questão do xisto ganharia importância crescente a partir de 1964, mas dividia os ministros militares do governo Castello Branco reavivando debates sensíveis sobre o papel da iniciativa privada no campo da energia e sua relação com o interesse nacional. Nem mesmo mudanças favoráveis na legislação, captação de recursos no mercado e incorporação de generais na direção da empresa seriam capazes de ajudar a CIRB a obter o aval governamental. Em 1968, um relatório da Petrobras criticava duramente o plano de exploração da CIRB no Vale do Paraíba julgando-o inadequado e calculando desperdícios na faixa de centenas de milhões de dólares. Ele seria utilizado em 1971 como argumento para enterrar definitivamente o projeto da empresa paulista. A CIRB entraria com pedido de falência em maio de 1973, após intensa ciranda burocrática por diversos órgãos governamentais para obtenção do aval.
Ao longo dos anos 1990, a estabilização macroeconômica realizada pelo Plano Real e uma nova lei para o setor sancionada em 1997 —acabando com o monopólio estatal na exploração, refino, importação e transporte— estabeleceram as bases para um novo ciclo de expansão da Petrobras e sua consolidação como player internacional (Biasetto Reference Biasetto2016, 293; Rocha Reference Rocha2016, 172–173). Esse ciclo ganharia força renovada com as descobertas das reservas de óleo do pré-sal na década de 2000, deixando, novamente, a exploração do xisto numa posição secundária, apesar do boom do óleo de xisto norte-americano na década seguinte (Rocha Reference Rocha2016, 164–175 e Biasetto Reference Biasetto2016, 333).
Agradecimento
O autor agradece a Felipe Loureiro e a três revisores anônimos da Latin American Research Review por comentários, críticas e sugestões.